2022 Fragmentos do Infinito english Icaro Ferraz Vidal Junior
2017 Teresa Viana english Tatiane Santa Rosa
2015 Remanescer, erguer, habitar
2012 Teresa Viana: A corporeidade da cor Ana Magalhães
2009 Menos é mais english José Bento Ferreira
2007 A pintora
2005 Contra-clichés cromáticos english Afonso Luz
2005 O informe na obra de Teresa Viana
2002 Teresa Viana english Fernando Oliva
2001 A vivacidade instigante da pintura: obras
recentes de Teresa Viana english
1999 Teresa Viana – a sedução da cor english Stella Teixeira de Barros
1999 Teresa Viana - desenhos english Nancy Betts
1996 A produção recente de Teresa Viana ou a
pintura na corda bamba english
1996 Teresa Viana - Pintura english
imprensa / press
2001 Teresa Viana exibe suas cores transbordantes
1999 Teresa Viana cria cidades invisíveis
1999 Teresa Viana recria paisagem a lápis
Teresa Viana - Pintura
Texto publicado no catálogo da exposição individual na galeria Nara Roesler, SP.
"As coisas não são apenas pintadas ou desenhadas, nascem pela ação mesma da cor." Bachelard
A exuberância da matéria é revelada pela presença subversiva dos pigmentos, da "cor desejada", tão diferente da cor domesticada, daquela que pretendendo ser fiel à natureza não passa de dado convencional. A ousadia da cor estimula a percepção, não deixa ninguém indiferente, desperta o olhar de seu sono de mesmice, atrai ou repele. O pigmento chega a extremos de provocação ao impregnar a massa densa, dúctil, capaz de encrespar superfícies, solicitando o toque ou ao menos, o tatear com os olhos.
Depois do impacto inicial, é apreciar ou recusar. Fica assim, por um momento, perplexo quem vê os quadros de Teresa Viana pela primeira vez. Prosseguir na observação é permanecer cativo da tensão que agita o plano da tela em ondas, sulcos, redemoinhos, em vibrações pictóricas exacerbadas. Render-se ao estímulo sensual é coisa que pouca gente consente. Logo, o observador procura reconhecer alguma forma, algo conhecido, ver o que pode tirar daquele caos. Começa por achar uma flor, talvez várias num lago ou uma paisagem com vegetação e por aí ...
Teresa quer em sua pintura, pintar. Não é uma pintura envergonhada, antes exibe sem pudor seus componentes essenciais: matéria pictórica aderida ao suporte. Com isso define um campo cuja aparente desorganização encontra seu equilíbrio instável numa dinâmica que nos leva a reconsiderar a leitura convencional do quadro habituada a buscar estabilidade na composição. Trabalha grandes formatos numa ânsia de transbordamento. A tela vai empastando com grossas pinceladas, deixando grumos, bordas gotejantes, "glissade", num adensamento da camada pictórica que chega ao limite da capacidade de aderência da tinta ao plano vertical. Com gesto não violento mais intenso aplica o óleo misturado à cera (encáustica) ou puro, pasta sobre pasta, cor sobre cor em várias direções, criando na superfície uma movimentação convulsiva como o lento borbulhar da lava vulcânica. Segue pintando em ritmo insistente, rodando o pincel, escorregando a trincha, numa volúpia quase insistente. Deixa acontecer: linha e forma vêm no impulso.
Há uma radicalidade nesse fazer que gera, em essência, acontecimentos pictóricos. A artista não teme a saturação das cores, justapõe manchas num concerto de vibrações cromáticas que fere a visão. Joga com tríades complementares em que o azul profundo quase negro contrapõe-se ao verde ácido próximo ao amarelo violáceo aliado ao rosa contrasta com o azul cerúleo sem cair na banalidade do efeito ótico obtido por dupla complementaridade. Num mesmo quadro, por vezes, convivem áreas brilhantes e segmentos foscos, aparecem pontos de determinada cor sob a avalanche de outra. Nos mais recentes, o traço grosso desenha numa ampliação do gesto, agora impositivo. Em todos - visíveis as marcas do pincel, a espessura da tinta, o frescor das cores – fica a tentação do toque, até mesmo da degustação (são pinturas suculentas) numa avassaladora mobilização dos sentidos.
Teresa nasceu no Rio de Janeiro e chegou ao Parque Lage quando a geração 80 estava se firmando; Bia Milhazes, Senise, Pizarro, Watson foram sua Escola. Há cinco anos em São Paulo, com estadia de seis meses na Europa, é no ateliê que mostra sua determinação. Pequena entre as grandes telas que pinta, carrega e arrasta quando necessário, aplicada no preparo da tinta cuja composição atual decorre de muita experimentação, ela tem a prudência de quem respeita o "métier" e a ousadia de quem vai além do conhecido. Aos que pensarem – ela não desenha – vou contar: ela faz desenhos sobre entretela, até prêmio ganhou com eles.
Dois anos acompanhando o desenvolvimento do seu trabalho, não deixei de considerar as possíveis afinidades com a obra maior de Iberê e a pintura de Guinle. Teresa tem por eles admiração, olha muito o que fizeram mas sua história é outra. Diria que a arte de Iberê é do conflito, de angústia existencial, pintura de combate, voluntariosa e trágica enquanto Guinle tendo perdido a fé na função dessa prática a ela se atém, sua pintura é feita de erudição e escolha, nela, um prazer perverso de inverter o uso habitual da linguagem, uma declaração de amor aos berros.
Agora Teresa... vem depois dos céticos com relação à sobrevivência da pintura, depois da euforia do retorno neo-expressionista, bem próximo à irreverência e à energia da pintura carioca da última década, vem com vontade de resgatar a pintura em sua "primitividade", algo como o grau zero da pintura. Começa do princípio, isto é da cozinha da pintura, parte do preparo da tinta para o ato de depositar a massa pigmentada sobre o suporte, experimenta aí a maleabilidade e a capacidade de secagem, a fluidez e a solidificação. Se a forma vem sem premeditação, o gesto não deixa de ser condicionado pela resistência, pelo atrito da matéria; se as cores vibram opacas ou brilhantes, são fatos que a ótica explica. Sua preocupação porém não é só matéria porque a matéria é usada com meio, não como fim. Seu fim é um começo uma potencialidade da pintura, um crescimento que opera de dentro para fora do quadro.